Pesquisar neste blogue

Seguidores

domingo, 28 de janeiro de 2007

A Camuflagem do Ensino

Caros leitores:
Pretendo partilhar convosco uma experiência passada que me ocorreu quando trabalhava numa escola.
Todos têm tido acesso às discussões sobre o ensino público e o ensino privado, os prós e contras, o tipo de professores e de alunos, as condições que oferecem, etc... O que não se fala, e é o que pretendo expôr com este artigo, é a camuflagem que ocorre numa escola em particular de Lisboa, mais propriamente do Restelo, mais concretamente a Escola Raiz.
Trata-se dum colégio-escola que admite crianças dos 3 meses ao 6º. ano de escolaridade e para actividades de ATL ainda aceita inscrições do 7º., 8.º e 9º.anos. Caso pensem tratar-se duma forma publicitária para "angariar" mais alunos continuem a ler o comunicado e depois pensem na qualidade de ensino que as crianças da Raiz têm.
Apenas estive lá a trabalhar um mês mas deu para perceber exactamente com que tipo de pessoas se lida, e reporto-me ao corpo docente.
Tudo começou no dia 5 de Setembro de 2006, precisavam duma pessoa para várias funções e resolveram "contratar-me" para tapar todos os buracos e falhas nos horários e gestão de tarefas. Como o que queria era trabalhar, prontamente disse que sim, afinal ía começar a receber um ordenado após meses à procura de trabalho. Avisei logo que as minhas capacidades eram para alunos de escolaridade mais velha mas disse que me sentia à vontade para os mais novos, não era a primeira vez que lidava com crianças.
Nos primeiros dias era necessário montar as salas, a escola abriu nesse mês outro edifício e tudo tinha de estar a postos para passar na inspecção antes das aulas começarem. Posso mesmo dizer que montei a escola de "raiz" se me permitem o trocadilho, pois estive literalmente a montar berços, a lavar cadeiras, a construir aquele que viria a ser o meu espaço de trabalho no mês seguinte - o Centro de Recursos.
Finalmente a Escola abriu às aulas, os primeiros dias foram complicados, eram muitas caras novas, muitos nomes, a habituação a tratar os miúdos por você como regra imposta pela escola (alguns pais também o faziam e assim não diferenciávamos as crianças com formas de chamamento diferentes). Até aqui tudo bem, os problemas começam a surgir quando me apercebo da importância dada à decoração em detrimento do material necessário para trabalhar. Cinjo-me ao meu espaço, o Centro de Recursos. Compreendo que as coisas levem tempo até estarem a 100%, mas quando todas as salas já estão inteiramente equipadas e a minha ainda aguarda materiais básicos como folhas, mesas, peço desculpa mas estão a ser "racistas" para com o espaço que proclamaram aos pais, no dia de abertura da escola, como aquele que se pretende como local de pesquisas electrónicas, consulta de dicionários, enciclopédias, espaço de leitura e de lazer acompanhado por excelência e ainda como anexo de recreio nos dias chuvosos, enfim, um espaço onde iriam passar grande parte do tempo.
Até ao dia em que me vim embora a minha sala esperava ansiosa uma mesa onde se pudesse fazer trabalhos de casa, computadores para trabalhar (dos 4 existentes apenas dois funcionavam e enquanto um deles bloqueava constantemente o outro continha a base de dados dos livros à disposição que necessitava de constante introdução de novos títulos). Pergunto-me se estas são as melhores condições de materiais de estudo numa escola que ajudei a montar, e como estagiária é óbvio que o trabalho pesado de acartar com os materiais vinha para mim e para o também estagiário professor de educação física, aliás único homem daquela instituição. Ora numa escola recheada de mulheres em que o corpo docente é constituído por 90% de jovens ainda na faixa dos 20 anos e o restante por iniciadas trintonas amigas íntimas da Directora pergunto-me como pode esta escola primar pela qualidade de ensino, que publicita um método americano de quase auto-aprendizagem extraordinário, quando no fim apenas pratica o ensino normal estatal (o próprio programa de estudo vai-se buscar ao site do Ministério da Educação) quando não se contratam auxiliares de educação para ajudar os professores como forma de meter mais dinheiro ao bolso, quando não se gasta dinheiro em material didático para trabalhar com o 3º. ciclo que apenas lá se encontra para apoio no estudo, basicamente.
Pois é, tudo isto eu verifiquei, fui eu que tomei conta das crianças ATL e do 5.º e 6º. anos ao mesmo tempo porque não havia professor de música (e quem tem de ser sacrificado enquanto os pais pagam é quem não estuda lá a tempo inteiro mas quem só lá está para adquirir método), ora assim nem tomar conta de quem não tinha professor nem trabalhar com aqueles que lá estavam para aprenderem a estudar sozinhos, a receberem métodos de estudo, métodos esses que tive de criar sem qualquer ajuda por parte da psicóloga que por acaso tirou o curso com a directora (que curioso, mais uma relação de amizade), e que foram totalmente recusados após aprovação da directora também ela psicóloga quando as duas pedopsicólogas contratadas para o meu lugar chegaram. Só tenho a dizer: Fiz um trabalho mal pago, sequer chegava aos 700 euros mensais, dei as refeições às crianças, no almoço o 5º e o 6º anos ficavam sozinhos comigo no refeitório, as duas turmas mais problemáticas ficaram totalmente à responsabilidade da estagiária enquanto as outras professoras orientavam no recreio as suas turmas. Quando me devia ter sido comunicado o desagrado com o meu comportamento com antecedência para me despedirem tal não aconteceu tendo já a coordenadora dos professores e respectivo corpo docente sido informado da minha ausência nas funções, fui como o corno, a última a saber. Numa escola onde desde o início me fizeram ensinar as crianças a serem responsabilizadas pelos seus actos parece-me que o civismo dos adultos que completa a escola deixa muito a desejar.
Mais não me restou no fim sem ser sair sem levantar ondas, despedi-me dos alunos que ficavam ao meu encargo mais tempo durante o dia e abandonei o meu posto. Trabalhei mais um dia para os alunos não ficarem sem alguém que tomasse conta deles que não me foi pago, vim a saber por ex-alunos que a coordenadora dos professores se tornou na melhor amiga da directora, que pensa que tem funções de directora porque substituiu a chefe quando esta estava grávida, anti-pedagógicamente foi convidar a turma para o seu casamento e respectivos pais dos alunos (andava sempre a gabar-se de que se tinha tornado íntima e frequentava a casa dos seus alunos), a psicóloga de serviço passeava-se pela escola em saltos altos e tops, não condeno aqui a forma de vestir de ninguém, crítico a conduta pois como profissionais da educação que teoricamente deviam ser disfrutam dum à vontade extremo ao aproveitarem-se dos filhos de gente endinheirada que em muitos casos (não são todos) pagam para ter os filhos com alguém durante o dia mas à noite nem lhes dão de comer ou são próximos da maior parte do dia por que os filhos passam.
O flagrante mais preocupante e crasso que tive a oportunidade de registar deu-se no próprio dia da inauguração da escola quando um casal foi visitar a minha sala e não observando que faltava pelo menos uma mesa para as crianças não estarem a trabalhar no chão volta-se ela para o ar:" A decoração está o máximo, laranja e azul, é igual à nossa em casa. Está super na moda!" Pais, pergunto-vos, que importa mais para o bem estar educativo dos vossos filhos, a decoração na moda ou a falta duma simples mesa para os vossos filhos escreverem, ou jogarem, ou simplesmente estarem a conversar com os amigos? Sei que nestas idades o chão, as almofadas, a cadeira tanto faz, eles querem é brincar mas por uma mensalidade de mais de 500 euros por criança (e a escola não tinha poucas e o orçamento dispensado para cada sala e refeitório não era extraordinário - este último não chega à mensalidade duma criança) bem que podiam comprar uma mesa e dvds didácticos para o 7º. ano em vez de me mandarem fazer sopas de letras e palavras cruzadas com matérias que não tenho um conhecimento profundo pois sou especializada no ensino mas secundário.
Apesar de ter saído é-me muito gratificante saber que alguns alunos sabem pensar sozinhos e foi a conversa com eles sobre o meu despedimento que me despertou para escrever sobre aquele mês dum mundo que me era totalmente estranho, o mundo dos adultos e profissionais de relações humanas infantis e juvenis que de forma totalmente anti ética e pedagógica abusam da confiança depositada para subirem na vida.
Uns meses mais tarde um antigo aluno confirmou-me que ainda não existia mesa no Centro de Recursos...

3 comentários:

Anónimo disse...

Fiquei impressionada com o seu comentário, desabafo. O meu filho está há porta de sair do seu primeiro ano da Raiz para uma outra escola. Embora com o meu filho ele se tenha sentido realizado e feliz, tenho que concordar com tudo o que referiu sobre o mundo dos adultos e da equipa técnica/pedagógica. Acresceno ainda a ausência de comunicação entre a escola e os pais, tudo é decidido sem discussão. Espero que já esteja a trabalhar e concerteza que irá ter muitos sucessos!

Anónimo disse...

Muito útil este post. Andava a fazer pesquisa sobre escolas privadas aqui na minha zona (uma vez que o ensino público é uma desgraça bem pior do que a descreve) e fiquei a saber que a Raiz e sítio a evitar.

Joao P. disse...

Só pelo facto de tratarem os alunos por voce me faz confusão. Obrigado pelo seu post, já risquei da lista :)